O CAMINHO DO AMOR COMEÇA DENTRO DE NÓS *
Amor se escolhe? Nossa tendência natural – e romântica – é responder um sonoro NÃO! O amor é que escolhe a gente, o amor nos toma, nos envolve, nos arrebata!
Isso pode ser o que acreditamos, isso pode ser o que algumas pessoas colocam em prática, mais ainda: isso pode ser o que sonhamos, desejamos e esperamos. Esperamos, esperamos e esperamos o amor chegar, nos pegar em seus braços, nos acolher, nos aquecer e fazer de nossa vida um verdadeiro conto de fadas do amor romântico.
Clarice Linspector disse que o amor acontece enquanto estamos distraídas, mas parece que estamos atentas demais, com os olhos abertos demais para encontrar o amor. E é por isso que escolhemos.
A primeira escolha é entre a segurança e o risco de viver o amor. O quanto estamos dispostas e abertas internamente para o amor? Abertas para novos sentires, novas emoções e possíveis dores. Refazermo-nos e repensarmo-nos por meio da relação, termos nossas certezas abaladas, nossas verdades compartilhadas. Outro olhar sobre nós, um novo olhar sobre nós mesmas. Medo da fragmentação, de não nos reconhecermos, de nos remodelarmos. Medo de mostrarmos nossas sombras, nos mostrarmos despidas de nossas máscaras, maquiagens e vestimentas e corrermos o risco de não sermos mais amadas. Medo de confrontarmo-nos com a sombra do outro, de nos assustarmos, de querermos fugir. Temor de não sermos o que o outro espera, temor do outro não ser o que espera. Medo da desilusão, da decepção, da rejeição, do abandono, do fim.
O grande perigo está no risco da entrega. Espera-se e deseja-se tanto o amor, mas desejamos que o outro mostre primeiro que ama e que está se entregando, para só depois mergulharmos na emoção.
Quem disse que amor rima com segurança? Quem disse que amor se calcula, se controla e que pode ser pensado estrategicamente? O amor tira do eixo, descabela, inunda. O amor pulsa, perturba e deslumbra. O amor abala e encanta, bagunça e alegra, descabela e colore a vida!
Amor não é o mesmo que relacionamento afetivo. Podemos estabelecer muitas relações, mas nunca ter vivido o amor. Zygmunt Bauman, no livro Amor Líquido, diz:
“A súbita abundância e a evidente disponibilidade das ‘experiências amorosas’ podem alimentar (e de fato alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e frequentemente se acredita) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o acúmulo de experiências, que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente ou excitante quanto a que virá depois.”
Amor também não é o mesmo que paixão. Paixão é um estado passageiro e transitório, pode até transformar-se em amor, mas não o é em sua essência. AMOR, assim, em caixa alta, é outra história.
Todas queremos amar – mesmo que nem todas reconheçam isso! Todas queremos encontrar um parceiro para viver essa experiência fantástica e transcendental.
E é aí que começam as outras escolhas!
Colocamos tantas exigências, tantas dificuldades que afastamos o amor. Esperamos que a pessoa certa apareça, mas não a encontramos. Sempre tem um defeito: é gorda ou magra demais; alta ou baixa demais; não tem o mesmo nível social, cultural ou econômico. Podemos conhecer alguém que tem muita coisa a ver, mas que a história não foi para frente. Por quê? O que deu errado?
Acreditamos que nossa alma gêmea é a pessoa perfeita! Pessoa perfeita dentro daquilo que julgamos ser perfeição.
Às vezes, queremos tanto amar que ficamos encantadas pelas mais diversas pessoas e com todas elas acreditamos que agora vai dar! Buscamos incansavelmente o amor, tudo o que desejamos é encontrar alguém. Quem sabe daí pode surgir o amor?
Outras vezes, mesmo que não estejamos muito encantadas, deixamos rolar, afinal o outro está a fim, não custa tentar… e ficamos na eterna dúvida: continuo ou termino? Pode não ser bem o que eu quero, mas é melhor do que ficar sozinha. Mas, se estiver sozinha posso encontrar alguém mais legal.
O amor é sentir, mas insistimos em dar nome, endereço e um belo currículo para ele. O amor é uma vibração que liga dois seres. Amor não é um bem a ser consumido que precisamos olhar a embalagem e checar sua composição para ver se está de acordo com nossas normas de segurança e nosso controle de qualidade.
Não controlamos o amor, não escolhemos quem vamos amar, mas escolhemos estar abertas ou fechadas ao amor.
As pessoas que entram em nossa vida não são fruto de uma escolha racional. Nada é por acaso! Atraímos aquilo que projetamos em nosso interior. Apaixonamo-nos por aquelas pessoas que possuem qualidades que não temos, seja porque queremos incorporá-las, seja para reafirmarmos uma característica nossa.
Mas quanto mais completas nos sentimos, quando maior é a consciência de quem somos, o que podemos e o que queremos compartilhar, maior é a chance de que nossas relações afetivas mudem de padrão e passam a ter mais cumplicidade do que projeções.
Somos feminino e masculino, yin e yang, preto e branco. Somos o todo e um só. Essa dualidade interna faz parte de nossa existência.
Aceitemos quem somos sem maniqueísmos, permitamos a integração do consciente e inconsciente, façamos as escolhas que nos conduzem ao nosso caminho verdadeiro, sejamos fiéis a nós mesmas.
O caminho do amor começa dentro de nós. Sem união interna, a união externa torna-se frágil. Quando as polaridades internas se fundem torna possível o encontro com outro ser também completo e integrado, e podemos enfim viver o amor, um amor que complementa e traz totalidade.
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* O texto foi escrito no feminino, não porque o amor seja “coisa de mulher”, mas porque é bom subverter a ordem estabelecida — mesmo que essa ordem seja gramatical.