“Ele é assim como você: cabeção!”
Quando ouvi isso, fiquei pensado o que ela poderia estar dizendo quando me chamou de cabeção. As gírias surgem e cada um formula seu conceito intuitivamente. Para mim, cabeção sempre significou uma pessoa com limitada capacidade de compreensão lógica e intelectual, vulgarmente chamada de burra. Mas, não achava que era disso que ela se referia, o contexto era outro, aliás, muito diferente disso.
A palavra cabeção foi introduzida em sua fala para se referir à minha excessiva racionalização da vida e dos fatos. Cabeção, cabeça grande, pensa demais, cabeça dominante, por aí vai. Percebi que ela tinha toda a razão.
Pautei minha vida na intelectualização dos acontecimentos. Tudo que me acontecia provocava uma revolução em minha mente (por que estou falando no passado?). Pensava os pensamentos, indagava os questionamentos, perturbava-me a emoção, o sentimento, então gastava horas tentando explicá-los. Por que sinto isso? De onde vem isso? O que quero com isso? Por que fulano falou isso? Aff, cansativo, muito cansativo. E quanto mais buscava respostas, elas pareciam se distanciar (será que meus muitos graus de miopia têm a ver com isso?)
Sempre assim, tentando buscar respostas para tudo. Acho que nunca superei a fase infantil dos porquês.
Mas, apesar de tantos questionamentos, percebia que a base para dar as respostas sempre era a mesma: minha formação cultural, social e, principalmente, familiar. Reproduzia valores, chavões, morais, crenças e tentava responder às questões a partir delas. Teorizava um monte de coisas, sempre partindo de uma verdade silenciosa mas constante, uma verdade intocada, invisível e dominadora.
Questionar essa verdade é bastante desconfortável e gera uma forte sensação de insegurança, por isso, sempre refutava essa possibilidade considerando que a cultura em que estamos inseridos nos define em muitos aspectos (a verdade silenciosa e manipuladora).
Exemplificando… Quando os ativistas de movimentos negros começaram a contestar o uso de alguns termos corriqueiros como: “a coisa está preta”, “serviço de preto”, “lista negra”, “ovelha negra” e por aí vai, muitos resistiram, disseram que era exagero, que isso era uma marca de nossa linguagem, que ninguém estava se referindo à raça negra, era apenas uma força de expressão. Mas não é não! Isso é reflexo de uma cultura que está impregnada de preconceito e usa a disseminação aparentemente inocente de formas de expressão para criar conceitos, preconceitos e garantir a perpetuação de seu conteúdo.
Ou seja, mesmo que de forma inconsciente, manifestamos a depreciação e aversão ao negro em nossa linguagem. Que tantas outras aversões, depreciações, conceitos de valor, preconceitos carregamos no uso de palavras, termos, ditados e expressões populares? Quanto deles reproduzimos mesmo que ingenuamente? Quanto deles usamos para desvalorizar os outros e a nós mesmos? Quanto deles definimos como verdades inquestionáveis que orientam nossa atuação, visão e forma de viver?
Pensando nisso, resolvi pensar nisso! Já que penso tanto, resolvi pensar sobre os pensamentos para tentar desconstruir aqueles que são raízes de tantos outros. Pensamentos de autoanulação, pensamentos geradores de preconceitos, pensamentos que justificam atos de agressão e penitência.
Daí surgiu a ideia de escrever esses textos! Desconstruir expressões e ditados populares para poder reconhecer as mensagens por trás deles e tentar tirar o poder que eles exercem sobre mim. Será que também pode te ajudar?